Breve contexto

A ciência de dados vem ganhando espaço dia após dia. Trata-se de uma área multidisciplinar que envolve princípios de matemática, estatística e programação para entender e predizer tendências, e tem se tornado uma ótima ferramenta de aprimoramento de negócios, podendo ser utilizada nas mais diversas áreas do sistema produtivo.

É fato que a ciência de dados ganhou vasta notoriedade nos últimos anos, mas a verdade é que esta ferramenta vem sendo implementada já há algum tempo nos mais diversos setores, sempre com o objetivo de resolver problemas a partir de uma análise lógica. Apesar da recente notoriedade conquistada, muitos ainda acreditam que tal recurso apenas tem seu uso justificado quando aplicada na resolução de problemas que atingem grandes empresas ou empresas de ciência e tecnologia, todavia, sua beleza reside no fato de que pode ser aplicada em todo e qualquer tipo de negócio, independentemente de seu produto, público ou tamanho.

Grandes empresas ao redor do globo já utilizam a ciência de dados como suporte para tomada de decisões estratégicas através da metodologia orientada por dados (data-driven), conceito que visa a resolução de problemas, sejam quais forem, a partir da análise de dados.

Em novembro de 2004, uma publicação do The New York Times, intitulada “Whats Wal-Mart Knows About Customers’ Habits” tornou público um exemplo de como a tomada de decisões orientada por dados pode gerar insights pouco ortodoxos, porém certeiros. O texto escrito por Constance L. Hays é didático, e mostra como a utilização de dados pode gerar informações precisas do ponto de vista mercadológico, mesmo que estes fujam da lógica normativa de mercado.

O caso Walmart

O ano é 2004 e o recém formado furacão Charley passa pelo mar do Caribe, atravessa o Golfo do México e atinge a costa da Flórida pouco tempo depois de alcançar seu pico de intensidade. Charley é apenas um dos furacões que atingiu os EUA na temporada de furacões de 2004. Meses depois, já em setembro de 2004, um novo furacão, chamado Frances, inicia sua migração para a costa da Flórida, seguindo os mesmos passos de seu antecessor, Charley. Há uma semana de Frances atingir a costa, a diretora de informação do WalMart, Linda M. Dillman, pediu que sua equipe estudasse os dados das vendas feitas em junho, quando Charley atingiu a costa. Em suas próprias palavras, Linda disse que:

“...a empresa poderia começar a prever o que vai acontecer, em vez de esperar que aconteça”.

Pois bem, as análises foram feitas, e as informações tiradas são demasiadamente interessantes, pois não estão necessariamente alinhadas com uma lógica de pensamento conservadora a respeito do consumo dos clientes. Em resumo, os milhares de dados tratados indicaram que o produto mais vendido às vésperas de Charley atingir a costa foi cerveja. Outro indicador que chama atenção foi o de Pop-Tarts de morango (biscoito recheado sabor morango), cujas vendas subiram sete vezes no período que antecedeu a chegada de Charley.

Diferente do que se imagina nesta situação, não havia necessidade de alimentar as lojas da rede Wal-Mart com lanternas, capas de chuva ou galões de água, na verdade, havia a necessidade de aumentar seu estoque de biscoitos sabor morango e cervejas, e assim foi feito em todas as lojas na rota do furacão.

Ciência de dados e PMEs: uma simbiose necessária

O que desperta interesse e merece destaque no caso exposto é que os insights obtidos fogem do esperado. Mas veja bem, já em 2004 o Wal-Mart tinha mais de 3600 lojas nos EUA e já coletavam, armazenavam e tratavam uma imensidão de dados diariamente. Assim como o Wal-Mart, diversas outras empresas de grande porte já utilizavam decisões baseadas em dados há duas décadas atrás e seguem utilizando e fortalecendo a cultura orientada a dados. A pergunta que fica é:

Se grandes empresas se beneficiam deste tipo de ferramenta, por que o mesmo não vem sendo utilizado por micro, pequenas e médias empresas?

Não há como negar a existência de um paradoxo quando falamos deste assunto. Se de um lado a ciência de dados vem se tornando cada dia mais pautada nas discussões cotidianas, de outro, muitos ainda enxergam esta ferramenta como algo muito distante, reservado a setores da ciência e tecnologia ou a grandes corporações que necessitam de algo robusto para resolver seus problemas.

Ora, se a ciência de dados beneficia empresas de grande porte, também pode beneficiar micro, pequenas e médias empresas. De certo, empresas de pequeno porte não geram por si só grandes quantidades de dados, mas isso não é requisito para implementação de uma cultura orientada a dados, para além disso, tais negócios são fundamentais para a economia do país, otimizar seus processos e ganhos gera benefícios para a sociedade como um todo.

No Brasil micro e pequenas empresas (MPEs) representam 99% dos negócios do país, sendo essenciais para a economia da nação. Dados do SEBRAE indicam que as MPEs se encarregam de empregar mais da metade dos trabalhadores com carteira assinada (55% do total) o que consiste em aproximadamente 30% do Produto Interno Bruto Brasileiro. Estes dados são esclarecedores, e ajudam a entender a real importância que este tipo de negócio representa. Apesar da massiva contribuição para a economia, essas empresas, muitas das vezes, encaram como principal obstáculo a falta de preparo da gestão, junto a isto, soma-se dificuldades como falta de estrutura, problemas financeiros, estratégias de marketing ultrapassadas e falta de informação.

Os obstáculos acima citados se retroalimentam e afastam a administração de algo fundamental para resolvê-los, o uso da informação. A tentativa constante de resolver adversidades consome tempo e afasta novas tecnologias, em contrapartida, o uso de uma metodologia orientada figura como a chave para resolver essas questões de maneira rápida e objetiva. É preciso entender, portanto, quais são as vantagens práticas da utilização de ciência de dados.

Análise de clientes:

Permite que a clientela em potencial seja identificada e segmentada, desta forma, é possível estabelecer o perfil dos clientes e orientar as campanhas de marketing visando a melhor estratégia de propagação e conversão.

Redução de desperdícios:

Em termos gerais, a ciência de dados pode conduzir a otimização dos processos. Este é um conceito amplo pois a redução de desperdícios pode envolver redução de tempo de processo (aumento de produtividade) mas também diz respeito a desperdício de matéria-prima e/ou produtos, através de análises preditivas, detecção de oscilações sazonais e gestão logística e de estoque.

Precificação dinâmica:

Através da ciência de dados é possível estabelecer estratégias mais robustas de precificação dos produtos através de análises de mercado, oferta e demanda, sazonalidade, nível de competição e perfil do público alvo.

Ciência de dados e PMEs: obstáculos

São inúmeras as vantagens associadas à implementação de ciência de dados em PMEs. Os exemplos acima citados abordam apenas alguns pontos sensíveis para empresas de pequeno porte que necessitam se manter competitivas no mercado, definir um público-alvo, reduzir desperdícios e precificar os produtos visando competitividade e boa margem de lucro. São exemplos sensíveis e necessários, mas há várias outras vantagens possíveis.

Se de fato há vantagens em estabelecer uma cultura orientada a dados, temos que entender o que justifica a não implementação da mesma, neste sentido, não podemos fugir das dificuldades atreladas ao uso de ciência de dados, pois isso seria leviano.

Dentre os desafios que permeiam a implantação de ciência de dados em PMEs, duas merecem destaque:

Falta de recursos e habilidades:

PMEs tendem a ser empresas enxutas e com orçamento limitado, desta forma, é difícil transferir verba para contratar profissionais qualificados que consigam estruturar um sistema de coleta, armazenamento e tratamento de dados de maneira competente. Há também dificuldade para investir em softwares e/ou outras ferramentas necessárias.

Ausência de cultura organizacional:

Normalmente PMEs não valorizam a cultura orientada a dados, neste contexto, é muito comum que, dentro do ambiente empresarial, a coleta, armazenamento e o tratamento de dados seja ou totalmente ignorada ou feita de maneira rasa. A instauração de cultura organizacional é crucial, mas envolve um processo que pode ser demorado, já que envolve uma mudança cultural.

Ciência de dados e MPEs: um caminho possível

As dificuldades apresentadas por vezes inviabilizam a implementação, mas podem ser contornadas. Uma opção viável e muito utilizada é a terceirização de serviços associados à ciência de dados, algo muito comum, especialmente quando é necessário iniciar uma infraestrutura ou realizar alguma ação pontual.

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